📌 Lesão cística com reabsorção apical e invasão do seio maxilar: abordagem diagnóstica e terapêutica.
- Endotoday
- 26 de ago.
- 4 min de leitura
Por Prof. Dr. Marco Aurélio G. Borges – Endotoday
🔍 Introdução
As lesões periapicais de origem endodôntica, quando não diagnosticadas precocemente, podem evoluir para processos extensos que invadem estruturas adjacentes, como o seio maxilar. A tomografia computadorizada de feixe cônico (CBCT) é uma ferramenta indispensável na avaliação tridimensional dessas lesões, permitindo a análise precisa da sua extensão e relação com estruturas nobres.
Neste post, analisamos um caso clínico evidenciado por CBCT que apresenta uma reabsorção apical severa em pré-molar superior, associada a uma lesão compatível com cisto radicular que invade o assoalho do seio maxilar — um exemplo clássico de sinusite odontogênica de origem periapical.
🖼️ Imagem tomográfica da lesão cística .
As imagens apresentadas mostram:
Plano sagital (Vídeo 1): destruição óssea periapical extensa envolvendo o ápice do segundo pré-molar superior, com áreas hipodensas bem delimitadas, compatíveis com processo lesão cística.
Plano coronal (Vídeos 3): continuidade da lesão com o seio maxilar, evidenciando espessamento da mucosa e perda da cortical do assoalho sinusal.
🦷 Diagnóstico diferencial
A principal hipótese diagnóstica é um cisto radicular de origem bacteriana, associado a necrose pulpar. Outros diagnósticos diferenciais incluem:
Granuloma periapical;
Cisto residual (se houver histórico de extração recente);
Lesões não odontogênicas (menos provável neste contexto clínico e anatômico).
💬 Conduta clínica sugerida
1. Tratamento Endodôntico Não Cirúrgico – Primeira Escolha
O tratamento endodôntico não cirúrgico permanece como a conduta de primeira escolha nos casos de infecção ou necrose pulpar com ou sem lesões periapicais. Abaixo, descrevem-se as etapas recomendadas para a condução terapêutica:
1. Acesso coronário e exploração inicial
Realizar abertura coronária adequada, respeitando a anatomia interna do dente;
Remover completamente o tecido cariado e qualquer material restaurador contaminado;
Identificar todos os canais radiculares com auxílio de magnificação (microscópio operatório) e ultrassom.
2. Determinação do comprimento de trabalho
Utilizar localizadores apicais eletrônicos calibrados e confirmados com imagem periapical;
Confirmar a localização da constrição apical, preferencialmente com base em evidências microtomográficas recentes quando possível.
3. Preparo biomecânico
Instrumentar mecanicamente com sistemas rotatórios ou reciprocantes, respeitando o diâmetro e a curvatura do canal;
Irrigação concomitante com hipoclorito de sódio a 2,5%, podendo ser elevada a 5,25% nos casos com maior carga infecciosa;
Ativar a irrigação com ultrassom passivo (PUI) ou com sistemas de agitação sonic ou laser, conforme disponibilidade.
4. Medicação intracanal
Secar os canais com cones de papel estéreis;
Inserir hidróxido de cálcio associado a PMCC (propilenoglicol + macrogol), utilizando seringas ou cânulas específicas;
Manter a medicação por um período de 14 a 30 dias, com trocas sucessivas em casos de exsudato persistente;
O tempo total de medicação não deve exceder 3 meses para evitar o risco de enfraquecimento dentinário.
5. Avaliação da secagem do canal
Reavaliar a possibilidade de secagem completa com cones de papel;
Se ainda houver exsudato, repetir a medicação intracanal com novo intervalo de 14 a 21 dias.
6. Obturação tridimensional
Com os canais devidamente secos, proceder à obturação com técnica adequada (cone único ou técnica híbrida);
Utilizar cimento biocerâmico (como Bio-C Sealer, MTA Fillapex, TotalFill BC Sealer) ou cimento biocompatível(como AH Plus, Sealapex);
Confirmar a obturação por radiografia periapical digital com pelo menos dois ângulos.
7. Restauração coronária imediata
Realizar selamento coronário provisório com cimento de ionômero ou resina temporária;
Planejar restauração definitiva o mais breve possível para prevenir reinfecção.
8. Reavaliação clínica e por imagem
Agendar reavaliações clínicas e tomográficas (CBCT) semestrais, por pelo menos 2 anos;
Observar sinais de reparo ósseo, ausência de sintomatologia e manutenção do selamento coronário;
Em casos de falha, considerar retratamento ou abordagem cirúrgica.
Estudos indicam que até 85% das lesões císticas associadas à necrose pulpar podem regredir totalmente após terapia endodôntica adequada (Nair, 1998; Ricucci et al., 2006).
2. Tratamento cirúrgico (em casos refratários)
Apicectomia com curetagem da lesão periapical.
Enucleação total do cisto.
Obturador retroapical com MTA ou biocerâmicos.
Preenchimento com LPRF.
Reparação da comunicação oroantral, se presente, com biomateriais ou membranas reabsorvíveis.
3. Avaliação conjunta com otorrinolaringologia
Sinusites odontogênicas com envolvimento de mucosa sinusal devem ser acompanhadas por otorrino.
Em alguns casos, indica-se antibioticoterapia sistêmica: Amoxicilina + Clavulanato (875 + 125 mg, 12/12h) ou Clindamicina (em caso de alergia a penicilina).
4. Exodontia (último recurso)
Indicada apenas quando:
Há fratura radicular;
A reabsorção radicular é extensa e irreversível;
O dente não é mais restaurável.
📈 Prognóstico
Com planejamento adequado e tratamento endodôntico baseado em evidências, há alta taxa de sucesso. Lesões císticas podem regredir significativamente entre 6 e 12 meses. A resolução da sinusite também acompanha a eliminação da infecção periapical, na maioria dos casos.
📚 Referências
Nair, P. N. R. (1998). New perspectives on radicular cysts: do they heal? International Endodontic Journal, 31(3), 155–160.
Patel, S., Durack, C., Abella, F., et al. (2015). Cone beam computed tomography in Endodontics – a review. International Endodontic Journal, 48(1), 3–15.
📌 Conclusão
Este caso exemplifica a importância de integrar o diagnóstico por imagem com a clínica e o conhecimento da anatomia regional. A atuação precoce e fundamentada do cirurgião-dentista pode evitar cirurgias extensas e restaurar a saúde periapical, promovendo a manutenção do dente em função.
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